sábado, 13 de setembro de 2008

Os quartos de dia...


tanto faz entrar pela sala ou pela cozinha... na minha casa virtual, depois que já se está dentro, os dois cômodos das extremidades dão pro corredor, de onde se abrem as portas dos quartos... pra passar por aí, quem entra pela frente tem que pedir, é visita de cerimônia... quem entra pela cozinha, pode pedir ou não, depende... tem gente que já vai entrando logo, já é quase morador também... não pede mais licença porque não precisa... mas tem semrpre um ou outro abusado que a gente tem que botar pra fora... pois nem todo mundo tem liberdade pra ir entrando nos quartos da minha casa... lá, só entra quem eu quero, quem eu deixo, quem pode... tem os mesmos quartos que quase toda casa tem... tem quarto de bagunça, de casal, de hóspedes e de criança... não vou descrever todos, não... é muita coisa, muito detalhe... vou me deter só em um... justamente o que a dona quase não pára dentro... quarto cor-de rosa, com bichinhos espalhados... brinquedos pelo chão, disquinhos coloridos que contam historinhas na vitrola... colcha de babadinho... travesseiro de abraçar, travesseiro de encher o espaço da cama, travesseiro de deitar a cabeça, travesseiro de emprestar... é tão bonitinho esse quarto, claro, iluminado... mas sua dona só para lá pra dormir e, mesmo assim, acompanhada por alguém que lhe segure a mão e lhe conte uma história, sentado à beira da cama... é o quarto de criança... o quarto da aninha... sua dona vive zanzando pela casa, batendo portas, fazendo bagunça... pra ela não tem espaço que se preserve... bisbilhota, espiona, espia pelos buracos de fechadura... corre, grita, passa voando pelas visitas sem cumprimentar direito... rouba guloseimas na cozinha e sai espalhando migalhas de pão e farelos de bolo pela casa... brinca no jardim e faz dos botões de jasmim, ovos pra embalar em jornal e vender, como sua mãe lhe ensinou... ela dizia: antigamente, se vendia um, dois ou até três ovos, não precisava ser dúzia, na quitanda de sua infância... a infância de aninha bem que podia ser parecida com a de sua mãe, no mundo virtual... mas aninha não parava quieta, tava sempre aprontando... fazia novelas, queria ser escritora, janete clair... inventava músicas, personagens... se equilibrava no muro do jardim e achava que era fácil andar na corda bamba... a maior dor que sentira na vida fora quando bateu a cabeça no móvel da sala... ou então quando abriu queixo cainda da escada... não conhece as dores da alma, as dificuldades da vida... mas é a rainha da casa, a verdadeira dona de tudo ali... se ela grita, todo mundo corre... se ela ri, todo mundo acha graça.. todas as anas se rendem a ela e acabam por fazer suas vontades... menina danada... fala sério quando brinca e brinca de falar de sério quando tá zangada... é boba a minha aninha, mas deita, dorme e sonha com seus anjinhos da guarda... mas seu quarto, o quarto de criança, tá quase sempre vazio... não pára quieta essa menina.

os quartos à noite


os quartos da minha casa são muitos, tantos que nem sei ao certo... esta ana que escreve percorre a casa à noite, insone, às vezes abrindo e fechando portas à procura de alguma coisa... alguma coisa que guardou e não sabe onde... alguma coisa que deveria estar lá, dentro de sua casa em algum lugar, mas que nem sempre consegue encontrar... tem quartos secretos, quartos de sortilégios e magias, quartos vazios e escuros, quartos com camas de casal e quartos cheios de almofadas e tapetes macios... às vezes abro uma porta que não havia notado, entro, passo a noite lá, observando o caminho da lua... no dia seguinte, tento encontrar novamente o mesmo quarto e já não acho mais... alguma coisa acontece que muda as portas da casa de lugar e eu me perco... tateio pelas paredes procurando os interruptores, procurando as maçanetas e nem sempre acho... às vezes estou muito sonada e acho que é delírio de sonho o que vejo pela casa... sombras, vozes, risos, soluços, passos... mas na minha casa não há outros moradores, só eu... de camisola de algodão até o pé, caminho pela casa, estalando as tábuas do assoalho... e procuro sempre o melhor lugar para passar a noite... às vezes fico na janela até tarde da noite, vendo a rua... às vezes vou passear no quintal e vejo o vôo rasante dos morcegos à procura das frutas... às vezes vou dar boa noite as outras anas que se preparam para dormir... a que mais gosto de visitar é a ana criança em seu quarto cor-de-rosa... sento na cadeira de balanço, canto músicas e leio histórias até que ela adormeça em paz, confiante de que no dia seguinte fará sol e ela poderá brincar no quintal... às vezes paro enrolada numa manta, emqualquer lugar da casa para ver a tempestade de raios e trovões que cai lá fora... aparo as goteiras, já sei onde eles caem... vez por outra aparece uma nova, que me surpreende... cubro os espelhos, guardo os talheres... escuto o vento passando uivando pelas janelas e me protejo... ou tento... nem sempre consigo... nestes muitos quartos da minha casa, noturna, vazia, sem visitas e sem amigos pelo adiantado da hora... eu vago, me procuro e não me acho... me perco em sonhos, pensamentos e aflições.... quando amanhece o dia é justo quando o sono ia chegando... as outras anas vão acordando e movimentando a casa... me chamam para o café e mal sabem que seu sono foi velado por mim... o dia começa e já não há mais tempo para dormir, nem repousar... a lida começa...cada uma tem que estar no seu posto, cada qual com seus afazeres... e ana insone que andou pela casa à noite toda, soma mais uma noite às horas de sono perdidas e espera... pacientemente espera pelo pôr-do-sol na varanda de sua casa...

Cozinha


a cozinha da minha casa virtual... ah, essa sim, é especial... nela ninguém precisa de convite pra entrar não, mas também só entra por ela quem já é de casa mesmo... lá não tem frescura... aliás lá é bem quente... tem fogão de lenha o tempo todo aceso... tem comida de sal cheirosa cozinhando... tem sempre bolo assando... tem mesa grande com banquinho de madeira pra se sentar, comer e conversar enquanto se está trabalhando... quem chega pode ir direto se servir, não precisa pedir não... tem café no bule em cima do fogão, tem água do filtro de barro... tem a porta que dá pro quintal... o basculante é de cinco bandas e dá pro lado da casa... tem a porta que dá pra dentro da casa, num corredor comprido com as portas dos quartos de um lado e do outro... lá na outra ponta do corredor tem a sala de visita... lugar chique de receber gente de cerimônia... mas na cozinha a conversa é escrachada... a voz é alta, o riso é solto... gargalhada... também tem choro fácil, pra salgar a vida... pra lavar a alma... na pia tem sempre louça... caneca de ágate lascada... pedra de amolar faca... a lâmpada vem de um fio com um bocal que sai do teto alto... balança e às vezes mexe com as sombras das coisas... a ana que lida na cozinha, nem sempre tá bem humorada não... tem um pano de prato nos ombros, os cabelos tentando ficar presos num rabo-de-cavalo frouxo...acalorada com fogão, vez por outra pára sentada à porta do quintal pra pegar uma fresca... gosta de receber os amigos que sentam e conversm... que falam de suas vidas, que falam das vidas alheias... mas que sempre pegam uma loucinha pra ajudar a lavar... mexem uma panela que tá queimando... passam um pano no chão... pros amigos que entram pela cozinha não tem moleza, não... mas tem sempre uma ana amiga, pronta pra servir pra com fartura exagerada seus quitutes mais gostosos...

Sala de Visitas


pela porta da frente de minha casa virtual, só passam aqueles a quem convido... logo no portal há um tapetinho onde se lê 'bem-vindo', que é pra pessoa sentir-se logo acolhida... atravessando a porta dupla da entrada se vê uma grande sala, com vários ambientes diferentes... tem uma namoradeira de chenile estampadinho, para quem quiser sentar-se e descansar... tem sempre um lanchinho servido, com biscoitos amanteigados, bolo, pão e torrada... tem geléia, manteiga, mel e requeijão... tem também suco, café, chá e leite quente.... tudo isso sobre uma mesinha de centro ovalada, servido numa bandeija de prata em louça azul e branca, parecendo porcelana, tem até açucareiro de mãozinha na cintura e bule soltando fumaça pelo bico... se a visita quiser apenas água, rapidinho ela chega geladinha, junto com uma garrafa cheia para se beber o quanto quiser... a decoração não é rica e nem moderna... a casa tem um pé-direito alto e do teto sai um lustre de cinco braços de cristal, com pedrinhas brilhantes, que parecem preciosas, penduradas... é bem iluminada minha sala... de dia o sol entra pela janela, à noite o lustre acende todo e os pequenos prismas refletem arco-íris pelas paredes claras... tem uma mesa grande de refeições, daquelas de sentar muita gente em dia de festa... tem um sofá mais fofinho pra se cochilar um pouquinho... tem cortinas de renda branca na janela que esvoaçam com o vento perfumado que vem de fora... tem o chão de tábua corrida encerada, que às vezes faz escorregar um desavisado... tem quadro de dama antiga na parede, com um grande vestido rodado, carregando sua sombrinha... tem também quadros de frutas e de paisagens bonitas de mar e de montanha... lá estará sempre uma ana, com um plástico sorriso no rosto, elegantemente vestida e sempre pronta para receber seus visitantes com um abraço de boas vindas... ela é formal, mas é hospitaleira e recebe com prazer aqueles que lhe visitam pela porta da frente de sua casa...

O quintal


pra chegar na porta dos fundos da minha casa, antes tem que passar pelo quintal de chão de terra... logo assim que se atravessa o corredor comprido que vem da rua, se chega logo nele... lá tem de tudo plantado... tem erva de cheiro: arruda, alecrim, manjericão... tem erva de gosto: salsa, cebolinha e hortelã... tem legume fresquinho: aipim, cenoura e tomatinho... e tem é muita árvore de fruta... pitanga, mangueira e carambola... tem caju, tem abacate e tem mamão... tem espaço pra correr e pra brincar... tem varal de roupa branca secando no sol... tem varal debaixo de telheiro pra secar a roupa quando chover... tem tanque grande de lavar muita roupa... tem cheiro de sabão perfumado quando o vento bate naquela que já tá secando... no quintal tem sombra e tem sempre sol... tem rede pra se deitar...tem balanço pra se embalar... de noite dá pra ver a lua e contar estrela... em dia de chuva sobe o cheiro de terra molhada... o chão enlameia o sapato de quem entra na casa... a ana que te recebe no quintal é moleca... tá sempre suada de brincar de correr entre as árvores... tem o rosto sujo de passar a mão empoeirada na cara pra secar o suor... às vezes você a encontra escavando o chão a procura de minhoca e caramujo, fazendo fóssil de formiga em massinha de modelar... às vezes tá debaixo de um pé de fruta se lambuzando toda... mas tá sempre de cara boa esperando alguém pra brincar de pique-esconde ou de chicotinho-queimado...