quinta-feira, 23 de outubro de 2008

terminei o projeto da minha casa virtual... trabalho findo... passei os olhos em vistoria na antiga casa recém construída e gostei... me senti ali... podia realmente morar lá se eu fosse apenas virtual... mas percebi que tem mais coisa da minha mãe na minha casa do que eu mesma havia me dado conta... na casa real, fui tirando o que era dela, na virtual, voltei com tudo novamente... as manias, os objetos, as susperstições... coisas da minha história, coisas que me formaram... nem sabia que era tanto assim que ela estava em mim... tolice, já devia saber... minha casa virtual não seria nada sem ela, assim como eu... minhas plantas morreriam secas, as lagartas devorariam o jardim... não haveria cheiro de bolo, nem histórias a contar... a cozinha não seria quente, pois jamais haveria lenha pra queimar... não haveria espelhos cobertos em noites de tempestade... e as visitas não seriam bem recebidas, pois só ela sabia receber como ninguém... tenho ela em mim muito mais do que me dou conta... seus caminhos se oferecem o tempo todo para que eu os trilhe e faço questão de atalhar... não quero seguir os mesmos passos... reconheço as pegadas dela nas mesmas pedras que me bloqueiam as passagens e faço questão de pisar diferente, escolher diferente, seguir outros caminhos... exemplos bem dados do que não se deve ser feito... desculpe, mamãe, por recusar os seus caminhos... quero outros para mim... queria outros pra vc... quero hoje que seu caminho seja de luz e de paz... que tenha água com gosto de mel pra confortar a sua sede com paladar... frutas doces, pão quentinho... cama macia, bem fofinha... grampos pra fazer coques, batons e pó-de-arroz pra se fazer cada dia mais linda... a mãe que contava histórias, cantava tangos e boleros, dançava conduzindo, inventava apelidos... alpistinha... dava presentes de fazer criança esperta... reclamava da letra no dever de casa... ajudava a fazer conta... de tão assustada morreu de susto... breve, para abreviar sua tristeza... e jamais soube o quanto dela tinha em mim... mas um dia saberá, quando estivermos juntas pra conversar... pra jogar conversa fora na varanda de nossa casa...
um amigo querido me perguntou pelos banheiros da minha casa virtual... eu me perguntei: e precisa?... taí, precisa! é claro que precisa... mesmo no mundo virtual há necessidades... necessidades que são quase fisiológicas... há também dejetos a serem eliminados... e há a vontade de limpar-se, banhar-se perfurmar-se, refrescar-se... por isso criei os banheiros da minha casa virtual, mais de um é claro... cada um deles prum uso diferente... tem o banheiro das visitas... ladrilho branco, louça brilhando... toalhas arrumadinhas, sabonetinhos em concha... espelho redondo... impessoal... tem o banheiro dos que são de casa... ladrilhado de rosa, piso escuro... box com cortina de plástico pendurada... basculante cheio de shampoos e cremes... cheirinho de banho recém acabado... roupas espelhadas pelo chão... toalhas molhadas largadas de qualquer jeito... espelho embaçado... todo bagunçado, como bagunçadas são suas donas... tem que ter banheira também, pra se tomar banho relaxada... com espuma, tudo sempre muito perfumado... tem o banheiro dos fundos... pras emergências diárias... não tem luxo, é simplesinho... só tem o essencial, tudo aquilo de que se precisa, mais nada... é o necessário... mas banheiro também é bom pra maquiar-se, olhar-se no espelho á procura de espinhas, de rugas, de pés-de-galinha... vez em quando achar-se bonita, pentear os cabelos... fazer caras e bocas... refrescar os punhos e a nuca... lavar o rosto, as mãos, o corpo... sair de lá perfumada com lavanda e óleo de amêndoa... olhar-se no espelho... conhecer-se e reconhecer-se, quantas vezes passar por ele... fazer a repetida pergunta: espelho, espelho meu... esconder-se no banheiro pra chorar de vez em quando também é bom... quer dizer, é ruim... mas é bom... ver as lágrimas deslizando, ver o caminho que elas fazem até pingarem na pia... como se tivessem vida própria e pudessem escolher os seus caminhos... esculpir os sulcos sobre a face... esquecer-se da própria dor... casa virtual tem que ter banheiro, sim... pra atender a todas as anas em suas necessidades mais básicas... principalmente, a de ser ela mesma diante do espelho...

sábado, 13 de setembro de 2008

Os quartos de dia...


tanto faz entrar pela sala ou pela cozinha... na minha casa virtual, depois que já se está dentro, os dois cômodos das extremidades dão pro corredor, de onde se abrem as portas dos quartos... pra passar por aí, quem entra pela frente tem que pedir, é visita de cerimônia... quem entra pela cozinha, pode pedir ou não, depende... tem gente que já vai entrando logo, já é quase morador também... não pede mais licença porque não precisa... mas tem semrpre um ou outro abusado que a gente tem que botar pra fora... pois nem todo mundo tem liberdade pra ir entrando nos quartos da minha casa... lá, só entra quem eu quero, quem eu deixo, quem pode... tem os mesmos quartos que quase toda casa tem... tem quarto de bagunça, de casal, de hóspedes e de criança... não vou descrever todos, não... é muita coisa, muito detalhe... vou me deter só em um... justamente o que a dona quase não pára dentro... quarto cor-de rosa, com bichinhos espalhados... brinquedos pelo chão, disquinhos coloridos que contam historinhas na vitrola... colcha de babadinho... travesseiro de abraçar, travesseiro de encher o espaço da cama, travesseiro de deitar a cabeça, travesseiro de emprestar... é tão bonitinho esse quarto, claro, iluminado... mas sua dona só para lá pra dormir e, mesmo assim, acompanhada por alguém que lhe segure a mão e lhe conte uma história, sentado à beira da cama... é o quarto de criança... o quarto da aninha... sua dona vive zanzando pela casa, batendo portas, fazendo bagunça... pra ela não tem espaço que se preserve... bisbilhota, espiona, espia pelos buracos de fechadura... corre, grita, passa voando pelas visitas sem cumprimentar direito... rouba guloseimas na cozinha e sai espalhando migalhas de pão e farelos de bolo pela casa... brinca no jardim e faz dos botões de jasmim, ovos pra embalar em jornal e vender, como sua mãe lhe ensinou... ela dizia: antigamente, se vendia um, dois ou até três ovos, não precisava ser dúzia, na quitanda de sua infância... a infância de aninha bem que podia ser parecida com a de sua mãe, no mundo virtual... mas aninha não parava quieta, tava sempre aprontando... fazia novelas, queria ser escritora, janete clair... inventava músicas, personagens... se equilibrava no muro do jardim e achava que era fácil andar na corda bamba... a maior dor que sentira na vida fora quando bateu a cabeça no móvel da sala... ou então quando abriu queixo cainda da escada... não conhece as dores da alma, as dificuldades da vida... mas é a rainha da casa, a verdadeira dona de tudo ali... se ela grita, todo mundo corre... se ela ri, todo mundo acha graça.. todas as anas se rendem a ela e acabam por fazer suas vontades... menina danada... fala sério quando brinca e brinca de falar de sério quando tá zangada... é boba a minha aninha, mas deita, dorme e sonha com seus anjinhos da guarda... mas seu quarto, o quarto de criança, tá quase sempre vazio... não pára quieta essa menina.

os quartos à noite


os quartos da minha casa são muitos, tantos que nem sei ao certo... esta ana que escreve percorre a casa à noite, insone, às vezes abrindo e fechando portas à procura de alguma coisa... alguma coisa que guardou e não sabe onde... alguma coisa que deveria estar lá, dentro de sua casa em algum lugar, mas que nem sempre consegue encontrar... tem quartos secretos, quartos de sortilégios e magias, quartos vazios e escuros, quartos com camas de casal e quartos cheios de almofadas e tapetes macios... às vezes abro uma porta que não havia notado, entro, passo a noite lá, observando o caminho da lua... no dia seguinte, tento encontrar novamente o mesmo quarto e já não acho mais... alguma coisa acontece que muda as portas da casa de lugar e eu me perco... tateio pelas paredes procurando os interruptores, procurando as maçanetas e nem sempre acho... às vezes estou muito sonada e acho que é delírio de sonho o que vejo pela casa... sombras, vozes, risos, soluços, passos... mas na minha casa não há outros moradores, só eu... de camisola de algodão até o pé, caminho pela casa, estalando as tábuas do assoalho... e procuro sempre o melhor lugar para passar a noite... às vezes fico na janela até tarde da noite, vendo a rua... às vezes vou passear no quintal e vejo o vôo rasante dos morcegos à procura das frutas... às vezes vou dar boa noite as outras anas que se preparam para dormir... a que mais gosto de visitar é a ana criança em seu quarto cor-de-rosa... sento na cadeira de balanço, canto músicas e leio histórias até que ela adormeça em paz, confiante de que no dia seguinte fará sol e ela poderá brincar no quintal... às vezes paro enrolada numa manta, emqualquer lugar da casa para ver a tempestade de raios e trovões que cai lá fora... aparo as goteiras, já sei onde eles caem... vez por outra aparece uma nova, que me surpreende... cubro os espelhos, guardo os talheres... escuto o vento passando uivando pelas janelas e me protejo... ou tento... nem sempre consigo... nestes muitos quartos da minha casa, noturna, vazia, sem visitas e sem amigos pelo adiantado da hora... eu vago, me procuro e não me acho... me perco em sonhos, pensamentos e aflições.... quando amanhece o dia é justo quando o sono ia chegando... as outras anas vão acordando e movimentando a casa... me chamam para o café e mal sabem que seu sono foi velado por mim... o dia começa e já não há mais tempo para dormir, nem repousar... a lida começa...cada uma tem que estar no seu posto, cada qual com seus afazeres... e ana insone que andou pela casa à noite toda, soma mais uma noite às horas de sono perdidas e espera... pacientemente espera pelo pôr-do-sol na varanda de sua casa...

Cozinha


a cozinha da minha casa virtual... ah, essa sim, é especial... nela ninguém precisa de convite pra entrar não, mas também só entra por ela quem já é de casa mesmo... lá não tem frescura... aliás lá é bem quente... tem fogão de lenha o tempo todo aceso... tem comida de sal cheirosa cozinhando... tem sempre bolo assando... tem mesa grande com banquinho de madeira pra se sentar, comer e conversar enquanto se está trabalhando... quem chega pode ir direto se servir, não precisa pedir não... tem café no bule em cima do fogão, tem água do filtro de barro... tem a porta que dá pro quintal... o basculante é de cinco bandas e dá pro lado da casa... tem a porta que dá pra dentro da casa, num corredor comprido com as portas dos quartos de um lado e do outro... lá na outra ponta do corredor tem a sala de visita... lugar chique de receber gente de cerimônia... mas na cozinha a conversa é escrachada... a voz é alta, o riso é solto... gargalhada... também tem choro fácil, pra salgar a vida... pra lavar a alma... na pia tem sempre louça... caneca de ágate lascada... pedra de amolar faca... a lâmpada vem de um fio com um bocal que sai do teto alto... balança e às vezes mexe com as sombras das coisas... a ana que lida na cozinha, nem sempre tá bem humorada não... tem um pano de prato nos ombros, os cabelos tentando ficar presos num rabo-de-cavalo frouxo...acalorada com fogão, vez por outra pára sentada à porta do quintal pra pegar uma fresca... gosta de receber os amigos que sentam e conversm... que falam de suas vidas, que falam das vidas alheias... mas que sempre pegam uma loucinha pra ajudar a lavar... mexem uma panela que tá queimando... passam um pano no chão... pros amigos que entram pela cozinha não tem moleza, não... mas tem sempre uma ana amiga, pronta pra servir pra com fartura exagerada seus quitutes mais gostosos...

Sala de Visitas


pela porta da frente de minha casa virtual, só passam aqueles a quem convido... logo no portal há um tapetinho onde se lê 'bem-vindo', que é pra pessoa sentir-se logo acolhida... atravessando a porta dupla da entrada se vê uma grande sala, com vários ambientes diferentes... tem uma namoradeira de chenile estampadinho, para quem quiser sentar-se e descansar... tem sempre um lanchinho servido, com biscoitos amanteigados, bolo, pão e torrada... tem geléia, manteiga, mel e requeijão... tem também suco, café, chá e leite quente.... tudo isso sobre uma mesinha de centro ovalada, servido numa bandeija de prata em louça azul e branca, parecendo porcelana, tem até açucareiro de mãozinha na cintura e bule soltando fumaça pelo bico... se a visita quiser apenas água, rapidinho ela chega geladinha, junto com uma garrafa cheia para se beber o quanto quiser... a decoração não é rica e nem moderna... a casa tem um pé-direito alto e do teto sai um lustre de cinco braços de cristal, com pedrinhas brilhantes, que parecem preciosas, penduradas... é bem iluminada minha sala... de dia o sol entra pela janela, à noite o lustre acende todo e os pequenos prismas refletem arco-íris pelas paredes claras... tem uma mesa grande de refeições, daquelas de sentar muita gente em dia de festa... tem um sofá mais fofinho pra se cochilar um pouquinho... tem cortinas de renda branca na janela que esvoaçam com o vento perfumado que vem de fora... tem o chão de tábua corrida encerada, que às vezes faz escorregar um desavisado... tem quadro de dama antiga na parede, com um grande vestido rodado, carregando sua sombrinha... tem também quadros de frutas e de paisagens bonitas de mar e de montanha... lá estará sempre uma ana, com um plástico sorriso no rosto, elegantemente vestida e sempre pronta para receber seus visitantes com um abraço de boas vindas... ela é formal, mas é hospitaleira e recebe com prazer aqueles que lhe visitam pela porta da frente de sua casa...

O quintal


pra chegar na porta dos fundos da minha casa, antes tem que passar pelo quintal de chão de terra... logo assim que se atravessa o corredor comprido que vem da rua, se chega logo nele... lá tem de tudo plantado... tem erva de cheiro: arruda, alecrim, manjericão... tem erva de gosto: salsa, cebolinha e hortelã... tem legume fresquinho: aipim, cenoura e tomatinho... e tem é muita árvore de fruta... pitanga, mangueira e carambola... tem caju, tem abacate e tem mamão... tem espaço pra correr e pra brincar... tem varal de roupa branca secando no sol... tem varal debaixo de telheiro pra secar a roupa quando chover... tem tanque grande de lavar muita roupa... tem cheiro de sabão perfumado quando o vento bate naquela que já tá secando... no quintal tem sombra e tem sempre sol... tem rede pra se deitar...tem balanço pra se embalar... de noite dá pra ver a lua e contar estrela... em dia de chuva sobe o cheiro de terra molhada... o chão enlameia o sapato de quem entra na casa... a ana que te recebe no quintal é moleca... tá sempre suada de brincar de correr entre as árvores... tem o rosto sujo de passar a mão empoeirada na cara pra secar o suor... às vezes você a encontra escavando o chão a procura de minhoca e caramujo, fazendo fóssil de formiga em massinha de modelar... às vezes tá debaixo de um pé de fruta se lambuzando toda... mas tá sempre de cara boa esperando alguém pra brincar de pique-esconde ou de chicotinho-queimado...

sábado, 30 de agosto de 2008


Gosto de imaginar realidades... realidades virtuais para acolher o ser moderno... quando imagino a minha realidade virtual, imagino uma rua de muitas casas iguais... diferenciadas por pequenos detalhes... imagino, à porta da minha casa virtual, uma grande acácia florida, com seus cachos de flores amarelas soltando, com o vento, pequenas pétalas no chão, colorindo a calçada em frente à minha casa... a casa em si, como todas as outras, tem um espaço na frente... na minha, há um canteiro de flores no centro do chão de cimento, com gerânios, begônias, azaléias e onze-horas coloridas, como na minha infância... no meio do canteiro tem um jasmineiro, que espalha perfume ao cair da noite quando os botões se abrem... junto ao colorido das flores tem sempre borboletas, beija-flores, joaninhas, grilinhos a cantar... nesse jardim fica uma ana, orgulhosa pelo florir de suas plantas... tirando folhas amareladas.... trocando a água dos bebedouros... ou às vezes só olhando a rua... a casa em si é antiga... pé direito alto... três degraus de pedra acima do nível da rua... varandinha com cadeiras de ferro e almofadas verdes... tem porão, tem telhado com forro de madeira... telhas vermelhas, paredes pintadas de azul clarinho... tem pintura descascada em alguns pontos, em outros, infiltração esperando consertar... lá dentro tem também algumas goteiras que já fazem parte do dia-a-dia, já se incorporaram à estrutura da casa... pode-se entrar de duas maneiras... pela porta da frente, pomposa, duas bandas de madeira, com janelinhas de vidro colorido... ou pelos fundos, atravessando um corredor comprido, ladeado de flores até chegar ao quintal... por onde você prefere entrar?

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Surpresas


a vida tem mesmo muitas surpresas... quantos caminhos se abrem onde a gente menos espera... quantos becos sem saída se transformam em pracinhas com coreto e igrejinhas, onde a gente descobre que a essência da vida, a essência da gente, é bem mais simples do que gostamos de pensar... se satisfaz com pouco (que em si já é tanta coisa boa)... com um gesto de carinho, de amizade, de compreensão, de cumplicidade numa travessura de criança boba, que só quer aprender a viver, que quer descobrir o mundo que lhe escapa das mãos, que quer mudar as cores, os nomes, as formas das coisas... a gente olha pro lado, às vezes, e se assusta com a sensação de estar caminhando em círculos... a surpresa é quando se percebe que o caminho não é o mesmo que antes... mas que tem uma mesma porta que não abrimos no passado e que se apresenta novamente para ser descerrada... o passado não volta, não... não deixamos os anos vividos para trás, nem os quilos que ganhamos pelo caminho... também não podemos voltar por onde viemos... mas podemos escolher abrir aquela porta e (re)descobrir o mundo por ali... outros caminhos, outras paisagens, outras experiências... que bom que podemos contar com alguém que nos oferece a mão... tanto faz se para guiar ou se para caminhar junto, mas uma mão amiga e terna... cheia de doces e guloseimas que nos alimentam a alma... cheia de incentivo e coragem naquele passo mais difícil que temos que dar... cheia de energia pra nos levantar da queda... cheia de doçura para nos afagar o ego... portas abertas, imagens desvendadas, novas trilhas, desafios, alegrias... surpresas reveladas... as boas surpresas que a vida nos oferece...


domingo, 17 de agosto de 2008

Latente



lá pelos idos dos meus quatorze anos, estava torcendo meus neurônios, que sempre funcionaram muito melhor na área de humanas, para aprender física... tava difícil... perguntei ao meu irmão, um sábio, o que era latente... ele me respondeu: latente é uma coisa que existe dentro da outra, mas não aparece, precisa de uma outra coisa para fazer despertar... ajudou?... mais ou menos... matutei até dormir... no dia seguinte, na hora da prova, surpreendentemente, sabia a resposta... latente é quando uma coisa tem calor, mas ainda não tá quente...
ah, os quatorze anos! pasou tanto tempo desde então...
eu tinha tanto medo... e ainda tenho, mas aprendi a disfarçar pra não despertar o olfato das adversidades...
eu era tão inocente... e ainda sou, mas aprendi a fazer cara de esperta, pra enganar os outros...
eu tinha tanta fé... e ainda tenho, mas agora duvido de tudo antes de acreditar...
eu não sabia quase nada... e ainda não sei, mas aprendi a brincar com os significados das palavras, fiz delas meu ofício, mas não elaboro mais conceitos em rimas...
ah! os quatorze anos! no fundo, acho que ainda sou a mesma pessoa, só que agora.... muito mais latente do que antes...




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olha eu aí de novo, recorrendo às lembranças do meu tempo de estudo (ou será que são elas que recorrem a mim?).
enquanto tento entender esse negócio de coisa certa na hora errada e/ou coisa errada na hora certa, me veio à cabeça uma lembrança, mais remota ainda que a do estudo da física...
dessa vez eu estava aprendendo a multiplicar números negativos e positivos... essa coisa de mudar o sinal pra lá e pra cá... parecia jogo de advinhação... quando achava que era mais, era menos... quando achava que era menos, era mais (já naquele tempo o meu juízo de valor se mostrava confuso diante dos problemas... e só tem piorado desde então)...
mas, agora, quem viria me socorrer seria a minha irmã, que, pelo sempre soube, de ouvir dizer desde que era pequenininha, era a mais inteligente da família (e não é que isso é verdade mesmo?)...
bem, ela não podia me explicar só falando, tinha que desenhar também... ilustrar... concretizar o abstrato para que uma menina de seus nove/dez anos entendesse essa confusão...ela já sabia (no alto grau de sua experiência de irmã mais velha) que é mais fácil acreditar no que se vê, do que tentar entender o que outros dizem...
então, finalmente, enquanto desenhava, ela ia contando uma historinha...
"era uma vez uma baile, todos queriam dançar, mas para isso tinham que achar o seu par ideal... um sinal de mais achou outro sinal de mais, se conheceram, dançaram e o resultado foi positivo... um sinal de menos também achou outro sinal de menos, apesar de serem os dois um tanto negativos, a dança deu certo e o resultado também foi positivo...agora, tinham sobrado um sinal de mais e um de menos... esses tentaram dançar de um jeito, de outro, mas no fim das contas, o resultado foi negativo."
quando a história acabou de ser contada o desenho já estava pronto também... viam-se dois sinais de mais de mãos dadas, assim como os dois sinais de menos... seus rostinhos estavam felizes e ao lado havia os sinais de = +...
mas, havia também um sinal de mais e um de menos, juntos, mas com suas fisionomias tristes e, a seguir, os sinais de = - ...
é mesmo engraçado que, agora, com a cabeça tão cheia de problemas (que não são mais nem de física, nem de matemática), me venham à lembrança justamente esses momentos da infância, quando recorria aos meus irmãos, como fontes de farta sabedoria, para tentar entender as situações complexas (ô, saudade!) com as quais me confrontava... e, eles tinham (pasmem!), de fato, a solução... e, ainda, hoje, acredito que a tenham...
deveria ter estudado mais com eles... feito mais perguntas... de outras matérias, tipo, química, biologia, português...
deveria ter sido menos pretensiosa, achando que poderia entender tudo sozinha, e pedido que eles me ensinassem mais coisas... que grandes lições de vida haveria na raiz quadrada... nos produtos notáveis... nas cadeias sextavadas da química orgânica... na taxonomia dos seres vivos...
deveria, mesmo (aliás, acho que ainda há tempo), é fazer mais deveres de casa com meus filhos...
quanto ao meu dilema... hora certa/hora errada... a lembrança da carinha dos sinais já diz tudo...